terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A cerveja, a comida e um corpo estendido no chão


Há poucos dias, um jovem foi assassinado a tiros na praça da Gentilândia (Fortaleza-CE). A repercussão na cidade não foi grande. Apenas mais um homicídio. O caso virou notícia de rodapé de jornal. Do tipo que tem todo santo dia. Também deve ter saído nos programas policiais que servem defuntos na hora do almoço.

O noticiário informa que foi mais um homicídio de um tipo que se tornou muito comum. Possivelmente, segundo a PM, o caso se relaciona com o tráfico de drogas. A área foi isolada pela PM. Coberto por um lençol, o corpo passou horas estendido no chão.

No dia seguinte, alguém colocou nas redes sociais uma foto retratando uma exdrúxula situação. Na imagem, mesas e cadeiras fora da área isolada. Gente comendo, bebendo, se divertindo. Há poucos metros, o corpo.

Notem que o defunto sob o lençol é apenas um componente a mais da paisagem. Ninguém parece incomodado com o intruso e sua poça de sangue. Desconfiei da imagem. Não acreditei que as pessoas fossem tão frias a ponto de continuar em suas mesas, tomando cerveja, comendo sanduíche e mirando a vítima.

Sim sei que a morte a vida estão banalizadas em Fortaleza e adjacências. Vez ou outra, vejo na TV as crianças se divertindo para as câmeras diante de mais um assassinato na vizinhança. Mas, adultos impassíveis, serenos, comendo e bebendo indiferentes diante do corpo que jazia é um quadro que eu não queria crer como real.

Desconfiado, pesquisei e encontrei outras fotos de outros ângulos. Ficou claro que não era montagem. Sim, já é possível comer um salgado, tomar uma cerveja e bater um papo diante de um corpo a espera da perícia e do rabecão. Chegamos a esse terrível e triste ponto.

O assassinato em questão se deu no início da noite de quinta-feira da semana passada. Na segunda-feira seguinte, o noticiário dizia que ocorreram 34 homicídios na Grande Fortaleza entre a noite de sexta-feira e a noite de domingo. É provável que cenas similares tenham se reproduzido outras vezes.

Nada pode ser mais preocupante que a indiferença diante da morte. É o principal sintoma de uma sociedade deteriorada. No vácuo da autoridade pública, que nem sequer lamenta a montanha de mortos, muitos naturalizam a violência. Outros passam a incentivar os linchamentos.

E assim caminhamos. Não sei exatamente para onde, mas não pode ser um bom futuro se a vida, bem maior da humanidade, não vale o preço se um salgadinho frio.

(Fonte: Fábio Campos, Jornal O Povo)

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