Não
é possível a edificação de uma personalidade humana e espiritual robusta sem a
luta interior, sem um exercício ao discernimento entre bem e mal, de modo a
chegar a dizer "sins" convencidos e "nãos" eficazes: "sim"
ao que podemos ser e fazer para viver uma vida humana digna desse nome;
"não" às pulsões idolátricas e egocêntricas que nos alienam e
contradizem as nossas relações com nós mesmos, com os outros e com as coisas e,
para quem crê, com Deus: relações chamadas a ser marcadas por liberdade e amor.
Nesse
sentido, eu gostaria de analisar três dominantes fundamentais que atuam sobre
as esferas humanas do amar, do ter e do querer: a dominante do eros (libido
amandi), a dominante da posse (libido possidendi), a dominante do
poder e da afirmação de si (libido dominandi).
O
homem encontra o sentido da sua vida no amar, e o eros é a pulsão fundamental
que o habita, é parte integrante da sua fome de amor. No entanto, ele também
deve encontrar limites, isto é, deve ser atravessado pela dinâmica do desejo. O
eros deve aceitar a diferença e a distância: não é por acaso que o interdito
primário fundamental em todas as culturas é o do incesto.
Em
um tempo em que a imagem é galopante, enquanto se perdeu o valor do símbolo, o
eros é mais espetacularizado do que vivido na suas profundidade. E talvez
esteja aqui, na atual tirania da imagem, a raiz da idolatria da esfera erótica:
a idolatria é construção de uma imagem para substituir a realidade, é fuga no
imaginário, perdendo a adesão à realidade e evitando também as dificuldades, os
sofrimentos, as angústias que ela traz consigo. Na imagem publicizada, a
sexualidade é vivida sem angústias, sem conflitos: eis a ilusão sedutora do
erotismo tornado ídolo, às custas de uma sexualidade despersonalizada, sem mais
nenhum valor simbólico, sem o outro, sem o seu rosto. Nesse sentido, não se
pode esquecer o imperante exercício da sexualidade virtual, consumida online,
além da pornografia disponível na rede sob várias formas...
Como
lutar nesse âmbito? O dominante do eros deve fugir da coisificação do outro e
da perversão do desejo, para voltar a ser dinamismo de encontro e imersão no
mistério de comunhão em que o homem e a mulher expressam o seu amor, até
celebrá-lo naquela que João Paulo II ousava chamar de "liturgia dos
corpos". Nesse caminho, é preciso se exercitar na ascese humana, na luta
contra a despersonalização da pulsão e a reificação da sexualidade.
O
ser humano não tem só o direito, mas também o dever de viver uma relação com as
coisas e com os bens: sem essa relação que lhe permite satisfazer a necessidade
de pão, de casa e de roupas, o homem não constrói a si mesmo e não vive aquela
plenitude que lhe cabe como homem e que a fé cristã lê como vocação para ser
pastor, rei e senhor dentro da criação.
No
entanto, nessa relação com as coisas, é grande a tentação idolátrica, a sedução
do anseio pela posse. Mas quando a relação com as coisas se torna idolátrica?
Quando a posse se torna um fim em si mesmo, justificando também qualquer meio a
fim de obtê-lo, quando se quer afirmar "o meu" e "o teu" –
essas frias palavras, diziam os Padres da Igreja! –, contradizendo uma
elementar exigência de justiça e desconhecendo o destino universal dos bens.
Há, portanto, um claro discernimento a ser feito: ou sermos guiados pelo
dinamismo da comunicação e da comunhão, ou sermos alienados pela dominante da
posse, tertium non datur.
Neste
tempo de crise da interioridade, de remoção da interioridade da esfera da
existência, grande é a tentação de se deixar definir por aquilo que se tem, ou,
correlativamente, por que se faz, em suma, por aquilo que é visível e
quantificável, por aquilo que é exterior: pela imagem que o outro vê. Cada vez
mais, nesse pseudocultura, o outro é entendido não como diferente com o qual se
pode comunicar, mas como espectador: em particular espectador do meu sucesso,
da minha riqueza.
Certamente,
o anseio por possuir responde a uma forma de angústia e de luta contra a morte,
a uma busca de onipotência e de tranquilização que vêm da sensação de poder
adquirir tudo, eliminar as necessidades satisfazendo-as imediatamente. Afinal,
vivemos em um canto do mundo em que é possível a satisfação de qualquer
necessidade, mas em que se perdeu o sentido da autêntica necessidade, da necessidade
real: muitas vezes, as necessidades são induzidas, criadas, mas exigem, com
toda a força do ídolo, uma força que repousa em uma radical inconsistência, a
satisfação.
Começa-se
a desejar a posse de uma coisa e, pouco a pouco, o anseio por possuir leva a
não considerar os outros: quer-se tudo e já, mesmo às custas dos outros. Esse
aspecto surge com força particular da constatação do sentimento generalizado de
irresponsabilidade com relação àqueles que virão depois de nós. O "tudo e
já" se torna também "tudo é meu", "tudo é nosso".
Aqui,
a luta exige da parte de cada um a capacidade de pôr uma distância entre si
mesmo e as riquezas, para não cair no terrível equívoco daqueles que se deixam
definir por aquilo que possuem. É preciso sair da lógica estreita e angustiada
do "meu" e do "teu", para entrar na liberdade da partilha e
da comunhão dos bens.
A
última tentação "mãe" é a do poder, da afirmação de si sobre os
outros: a libido dominandi, talvez o ídolo que requer a adoração mais
total, quando chega até a exigir o sangue dos outros nossos irmãos e irmãs em
humanidade. Não por acaso, para o Apocalipse de João, esse ídolo chega a
assumir os traços do próprio Deus (cf. Ap 13), a se travestir de Deus para ver
voltadas a si a adesão e a adoração que devem ir somente a Deus.
Ora,
é evidente que o homem é um ser-em-relação e, por conseguinte, exerce uma
influência sobre os outros, pelos quais, por sua vez, é influenciado: desse
jogo relacional brota a criação de uma vida comum, a construção de uma cidade,
de uma polis, a edificação de uma convivência. Mas quando se passa da lógica da
inter-relação e da troca – em que a presença dos outros é vista como positiva e
sentida como essencial – a uma afirmação de si contra ou acima dos outros,
quando se transforma o próprio eu em absoluto, quando nos deixamos inebriar
pela sede de poder, então se precipita na idolatria.
Se
não for freada e se não receber um limite, a libido dominandi se torna
o ídolo mais devastador em nível social e político. Segundo Julia Kristeva, ele
é a forma culminante do narcisismo e leva o indivíduo ou o sujeito político ou
institucional a olhar para si mesmo como para Deus. Mas o resultado
sociopolítico de um narcisismo extremo é o poder totalitário, ditatorial. Uma
instituição, um partido, um sistema que faça de si mesmo e da sua própria
sobrevivência o único fim ou, melhor, que se considere depositário do único e
verdadeiro bem para todos, bem que, portanto, poderá e deverá ser imposto a
todos, torna-se liberticida. Isto é, incapaz de aceitar que haja quem tome e
mantenha uma distância dele, que conserve uma alteridade, uma diversidade.
Não
por acaso, uma sociedade como a nossa, em forte condição de instabilidade e de
crise, carente de ideais coletivos, esfacelada no seu tecido social, com perda
de confiança nas instituições políticas, vê surgir o culto à personalidade e
crescer os fenômenos de personalização e de espetacularização de todos os
poderes. E torna-se assim terreno de possíveis soluções políticas
"idolátricas".
Diante
desses riscos decisivos, a luta interior é o caminho através do qual, no espaço
da liberdade e do amor, aprende-se a arte da resistência à tentação e da arte
da escolha. Ter um coração unificado, um coração puro, sensível e capaz de
discernimento, um coração que cuide e gere pensamentos de amor: eis o objetivo
do combate e da resistência interior, arte realmente apaixonante. É necessária
uma grande luta anti-idolátrica para sermos livres para servir e amar cada
homem, cada mulher, cada criatura; em suma, para chegar a fazer da nossa vida
humana uma obra-prima.
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Artigo de Enzo
Bianchi
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/524266-contra-as-tres-libidos-resistir-resistir-resistir-artigo-de-enzo-bianchi