quarta-feira, 18 de abril de 2012

      
       Os textos que narram a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo são repletos de uma rica plasticidade literária que fazem do leitor, seja ele homem de fé ou não, entrar com vivacidade no acontecimento Pascal e aproximar-se da memória do pobre Judeu condenado à morte. Os textos retratam a dor da condenação de um homem simples e justo; a incompreensão de seus contemporâneos e seguidores. Exprimem a dor de uma mãe que vê o filho amado entregue à morte. O abandono e a frustração daqueles que o seguiam. A força do Império, a contradição do poder religioso e, por fim, a incoerência e a miséria humana: “Disse Pedro: Senhor, por ti darei a própria vida, eu nunca te negarei”(Jo 13,37); “Eu não conheço este homem, disse Pedro, e o galo cantou” (Jo 18,27); “Judas, com um beijo trais o Filho do Homem?”(Lc 22,48); “Não acho nele crime algum, disse Pilatos”(Jo 18,38); - E Pilatos lavou as mãos – “ Que o sangue dele caia sobre nós e sobre nossos filhos” (Mt 27, 25); “Se eu não tocar em suas chagas não acreditarei” (Jo 20, 25); “ Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20 28). Esses textos expressam a força do poder político e o limite da fraqueza humana.
       Envolto nesse conflito de poder e fraqueza emerge um singelo objeto, que passaria quase que despercebido se não estivesse presente em duas cenas fundamentais que retratam este embate histórico entre o poder e o serviço, a Lei e a oblação. Falo das duas bacias mais importantes da humanidade: a bacia de lava-pés, presente na última Ceia, quando, em um gesto de serviço e humildade, Jesus se pôs a lavar os pés de seus discípulos, e a bacia da condenação de Jesus, na qual Pilatos lavou suas mãos diante da condenação de um inocente.
       A primeira bacia, a bacia de lava-pés, é a bacia do serviço. Bacia daquele que se despoja de sua condição de superior e se põe a servir. É a bacia da doação, da humildade, da simplicidade, da comunhão. Bacia que inverte a lógica do poder hierárquico e faz do primeiro o último e, do último, o primeiro. Na cena de lava-pés, Jesus, o mestre, quebra todos os protocolos pré-estabelecidos, dá uma lição de humanidade a seus discípulos, esvazia-se de sua condição de Mestre e Senhor; ajoelha-se diante de seus seguidores derrubando as barreiras da soberba edificadas pela lógica do poder. A bacia de lava-pés é a bacia da paciência e da incompreensão, pois esta vai na contramão do mundo: desnuda as relações de poderio e anestesia o narcisismo social e estético das relações superficiais.
       A segunda bacia é a bacia de Pilatos, ou seja, a bacia dos lava-as-mãos. Bacia dos descompromissados, dos omissos e dos anônimos perante a causa da verdade e da justiça. É quase sempre a bacia em que os fracos e os desencorajados procuram para lavar suas mãos e se esconderem da realidade. É a bacia do “faz-de-conta”, do “esconde-esconde”,do fechar os olhos à realidade, do “deixa tudo como está para ver como é que vai ficar”. Bacia do: “eu não sabia”, da turma do “deixa disso”ou ainda do “eu fui o último a saber”. A bacia de Pilatos é a bacia que não cria compromissos, inserção e disponibilidade. Bacia quase sempre do jogo da conveniência, do oportunismo e das negociatas duvidosas.
       Duas bacias e duas realidades: a bacia do serviço e a bacia da omissão. Aquele que se inclina no exercício do poder e serve; e aquele que se esquiva no exercício do poder e cala. Como percebemos em ambas as cenas o problema não está nas bacias, porém, nas mãos, nos sentimentos e nas atitudes dos que aportam. Pois bem, o problema não está no poder em si, na função, mas sim, na forma do exercício do poder.
       As lições das bacias são oportunas para avaliarmos quais bacias estamos manuseando em nosso dia a dia. Bacias de covardia e omissão como as de Pilatos, ou bacias da disponibilidade e da coragem, como a de Jesus? Como exercitamos o poder quando nos é outorgado? Em quais bacias molhamos as nossas mãos?
       Existe um ditado que diz: “queres conhecer os valores de um homem, dá-lhe um tacape”. Eu experimento avançar:“queres conhecer um líder, dá-lhe uma bacia.” Ela atualizará o servo que somos ou o “cacique” que construímos. Bacias são apenas bacias, o diferencial está nas mãos que as portam. É Deus com todos e cada um com a bacia que elegeu.

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Vilmar Dal-Bó Maccari, Engenheiro de Produção e Teólogo

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